O AMOR ARDE >> Claudia Letti

"O amor é um sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem ou de alguma coisa". Esse é apenas um dos significados que encontrei quando procurei pela palavra, nos dicionários. Os verbetes são longos e também dizem que o amor é dedicação absoluta, devoção extrema, gratuidade, bondade, generosidade, compaixão. Eu gosto mais da definição de Camões que, por acaso, também é citada num dicionário: o amor é um fogo que arde sem se ver.
Sempre me questionei se o amor é mesmo tudo isso ou se, acrescentando mais um adjetivo: pretensioso, acredita piamente que é. Não duvido -- quem me dera! --, que ele seja tudo o que se prega (ou se auto-determina) e mais um pouco. Eu apenas questiono a sua essência tão forte e inigualável como sândalo ao mesmo tempo que pode e sabe ser suave como lavanda. Sempre penso que amor, tal perfume, depende da pele onde se espalha e do temperamento de quem usa.
Poliglota, fala a língua dos loucos, dos anjos, dos sábios, dos ignorantes, ingênuos, crédulos e marginalizados. Usa códigos secretos, dos mais simples aos mais sofisticados, escondendo cuidadosamente suas senhas e traduções como jóias contrabandeadas. Quando não pode ou não sabe pedir, oferece a ironia, envergonhado demais para gritar por socorro. Paradoxal, grita palavras bem ditas e sussurra as desditas como um engasgo, sem piedade ou compaixão por si mesmo -- tudo em sua defesa, pelo medo turvo e incontrolável da rejeição. E, como não mede o que doa, definha se não se recebe, devorado pelo próprio apetite, anoréxico de reciprocidade. Encimesmado pela idéia de que quanto mais se dá, mais forte fica, esquece que sem nutrição é canibal faminto de sua própria carne.
Espaçoso e sem limites, ocupa grandes cômodos numa só morada que consiga aconchegar sua grandiosidade. Se encontra uma casa que lhe abrigue com alegria, esparrama-se em generosidade, é devoto, seguidor de si mesmo e -- ouso apostar --, quase narciso. Mesmo assim, sofre de desajeitamento e, sem perceber, perde o controle, esbarra nos móveis, quebra vidraças, estilhaça vasos antigos como um mamute tentando se movimentar dentro de um laboratório. Sua grandiosidade e delicadeza não impedem que estilhace experiências transformadoras em minúsculos cacos. Mas quando não encontra morada, porque nem sempre procura, é mendigo faminto e sem teto, pedinte de afeto e, vândalo, é capaz de destruir o mais belo canteiro de flores.
Maestro das grandes sinfonias e músico dos mais simples acordes e, por isso mesmo, mais belos, o amor também é caçador de borboletas, colecionador de cata-ventos, dançarino de coreografias intimistas e inventadas. Confeiteiro de delicados sonhos, alquimista de substâncias etéreas, escultor de obras surrealistas, malabarista por natureza e por dom. Circense engolidor de fogo, o amor arde. Arde quando nasce e cresce e arde quando suspira à própria sorte. É isso, tudo isso, o amor que os dicionários não traduzem, uma entidade que nasce, cresce e multiplica-se em si mesmo.
Os tolos, acreditando que ele é menor do que é, confundem-no com a paixão. Os que se acreditam mais razoáveis, não sabem muito bem a diferença. Mas, parece que somente os sensatos não o conhecem. Por isso, a conclusão que me toma é que de amar sabemos quase nada. Do que gostamos mesmo é de desejar o amor.
Comentários
Bisous e parabéns. Você arrasou!
Me fez lembrar outro blog que acho que vc também ainda não conhece: o link é www.obemomaleacolunadomeio.blogspot.com
Beijão e até qualquer hora.
Gostamos por demais de desejar o amor, mas apesar de temermos conhecê-lo, damos sim a cara à tapa. Alimentamos nossa ousadia de desejar, amar e descobrir o amor que passamos a conhecer como fosse companhia de uma vida.
beijos
Abraço da sua mais nova seguidora!