Cota para Loiras >> Claudia Letti

Já tem um bom tempo que uma amiga me pede para escrever uma defesa, um manifesto que seja, reivindicando um programa de "Cota para Loiras". O que começou em tom de brincadeira quase virou coisa séria depois do pronunciamento do presidente da República, quando atribuiu a "culpa" da crise marolinha aos loiros de olhos azuis. Ouvi até quem pretendia abrir processo, recolher assinaturas, essa coisa toda que ferve os miolos - ou os cabelos - de quem se sente injustiçado e discriminado. Pois, de tanto minha amiga loira (natural) insistir, resolvi transformar esse tema, mais pra letra de pagode do que pra manifesto social, em crônica.

É justo. Que as loiras fazem parte do imaginário (saliente) masculino mas que também são discriminadas, e não é de hoje, todo mundo está careca de saber. Quem não conhece uma piada que coloca a loira na situação de burra ou nunca ouviu um comentário irônico e jocoso sobre a loiríssima colega de trabalho, que levante a mão. Nas piadas, as loiras usam liquid paper para corrigir seus erros na tela do computador, fazem quebra cabeça do tigre da Kellog`s com os sucrilhos da caixa, sacodem a cabeleira para o cérebro pegar no tranco e seu neurônio morre do que? de solidão (se eu contei alguma pérola que vocês ainda não sabiam, peço desculpas, a idéia foi só ilustrar). Conheço loiras, inclusive, que desistiram de amargar esse limão e, espertas, partem logo pra limonada: "Explica isso direito porque eu sou loira." E todo mundo explica, como não? Elas mandam e os demais obedecem.

Que as loiras estão (são?) em minoria nos dias atuais, também não é novidade pra ninguém. Até pouquíssimo tempo corria à solta o comentário que o sinônimo de status para quem estava sob os holofotes recentes da mídia, era pilotar um carro importado carregando uma loira. Agora já não se ouve mais essas maldades, até porque as morenas parecem estar em maior número. Dia desses, no salão, escutei uma moça insistir com a cabelereira que, por favor, fizesse apenas e simplesmente algumas "luzes" douradas no seu cabelo castanho. "Eu não quero ficar loira de jeito nenhum, hein!? Deus me livre!". O medo da moça parecia genuíno (mas foi engraçado, admito) e me fez observar que o número de loiras realmente diminuiu expressivamente pelas ruas da cidade, pelo menos aqui pelo sudeste. Nesta semana, na hora do rush, num vagão literalmente lotado do metrô, não encontrei um fio de cabelo que não fosse escuro. Convenhamos que não pode ser coincidência.

Se a moda das morenas é apenas uma jogada de mercado para vender mais tonalizantes, ou se as mulheres cansaram de ser chamadas de burras apenas porque pintavam os cabelos de loiro, não dá pra gente saber, de fato. Mas que as morenas (claras, escuras, achocolatadas e suas mais quatrocentas absurdas cores variáveis) parecem estar em alta, lá isso parecem. Todo mundo conhece pelo menos uma mulher que já foi loira e hoje usa os cabelos cor de "avelã", marrom "intenso" ou castanho-alguma-coisa. Geralmente quando vemos uma loira hoje, seus fios dourados são originais. E como muito bem observou um amigo, agora elas andam mais nas passarelas da moda e nos anúncios e comerciais de carro e cerveja. Nem a velha Barbie, a boneca mais desejada e consumida no mundo, é a mesma. Suas versões morenas e negras fazem até mais sucesso neste mundo de etnias felizmente tão diversas.

Isto posto e exposto, que eu espero, não só evidencie mas prove que as mulheres loiras são uma minoria discriminada, (homens loiros não são discriminados, como se sabe, eles que não queiram entrar de gaiatos nem com liminares), bem, mas como eu ia dizendo, isto posto, só nos resta criar o manifesto que beneficia apenas e unicamente as loiras naturais. "Galegas" de farmácia, com luzes, mechas e outros recursos químicos de nomes cada vez mais estranhos, ficam determinantemente fora do Programa de Cotas. Mas, em compensação, tem direito à Cota, outra que é minoria não só no Brasil, mas no mundo - está quase em extinção na verdade -, e que também consta no imaginário masculino (sempre saliente): a ruiva. A ruiva seria, portanto, a "parda" do Programa, desde que o cabelo seja nacional (irlandês ou escocês não vale) originalíssimo e especificado na certidão de nascimento.

Então, loiras naturais e ruivas (pardas) terão direito a 10% das vagas das Universidades e dos Concursos Públicos e 5% das vagas de emprego na economia privada. Elas continuarão tão ou mais discriminadas porque não receberão seus cargos e matrículas pela competência pessoal de cada uma mas afinal, vocês querem o quê? Nem tudo é perfeito.

Entretanto, como sabemos que cor (de cabelo, pele ou por descendência) não determina a inteligência nem a capacidade intelectual de ninguém, preparem-se para ver muitas loiras em altos cargos que até aqui só privilegiaram homens. Elas usarão suas cotas pra mostrar o que sabem, serão poderosas, o imaginário masculino ficará ainda mais atiçado e saliente e o sonho de consumo de muita morena voltará a ser... loira.

Agora, deixa eu contar uma coisa: a minha amiga loira natural que, a cada piada ou ironia discriminatória, sarcasticamente ameaça com processo e programa de cotas, foi quem me pediu pra escrever esse manifesto que acabou em crônica. Foi ela quem ditou as regras do texto. Eu fui mera porta voz. Portanto, só estou aqui lançando uma ideia esperando colher outras de vocês. Reclamações pra ela, por favor. E não me peçam pra explicar de novo.

Comentários

Fausto disse…
Um beijo-miau na amiga e musa. E outro pra você. :-p
Unknown disse…
É chato ser loira...miauuuuuuuu
:)
Clau Britto
Carla S.M. disse…
O engraçado é que ela ditou as regras, mas (ainda bem!)deixou para você escrever o texto... hummmm
Diga-se de passagem: as loiras bem que no fundo gostam deste esteriótipo, desde que as mentes masculinas continuem salientes! (e elas sempre o serão!)
:)
Carla Dias disse…
Claudia, Claudia... Adorei essa crônica. Seja com sua amiga ditando as regras ou não, achei fantástica a colocação dos pensamentos a respeito das loiras, mas especialmente das cotas.

Bjs!
Unknown disse…
mcfly, a sua musa, a nossa até já retribui o beijo miau, ehehe. E depois ela diz que é chato ser loira... Sei... Beijo grande!

clau, gostou? A crônica ficou segundo suas regras?? :)) Beijo!

C.S Muhammad,tambem acho que elas gostam. E as mentes masculinas agradecem, como se sabe. Beijão pra você!

Carla, a ideia é toda dela, embora, é verdade, eu concorde. Se elas são minoria discriminada, é justo que recebam suas cotas. rsrs
Beijo grande, moça querida.
Claudia, de minoria em minoria, haja cotas.:) Você foi excelente porta voz, ops, porta texto das loiras.:)
Unknown disse…
Quer saber Clau, nunca levei muito a sério esse tipo de comentário, até porque sempre são feitos por pessoas que não tem o que fazer. Agora as piadas, oras, qual piada não é preconceituosa de natureza? Mnhas melhores professoras na facu (e diga-se de passagem área de exatas) eram loiras, nunca neste período vi ninguém tecendo comentários. Acho as brasileiras bonitas, tenham elas o esteriótipo que for. Ass: alguém que já foi loira e morena e se sentir vontade um dia vira ruiva rssss

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